Que seja o início da crise de meia-idade
Sobre nadar no mar, sobre encontrar a realização pessoal fora do trabalho, sobre diversificar, sobre talvez estar em crise de meia idade, sobre admitir que sou capaz de não saber o que ando a fazer
Olá!
Saudades minhas?
O problema de estar algum tempo sem escrever a minha newsletter é que depois a vida transborda. Aconteceram tantas coisas neste último mês, que não sei que tema hei de escolher sob pena de, se te falar de tudo, não conseguir aprofundar nada. Mas se quiser aprofundar, não te vou conseguir dar um cheirinho da intensidade das minhas últimas semanas... Mas, bom, vou tentar ser concisa e deixar a profundidade para outras núpcias. Segue o último mês em bullet points.
Participei pela primeira vez num triatlo. Se não sabes, o triatlo junta a natação, o ciclismo e a corrida num só, e está muito em voga ultimamente. Os nossos amigos da natação e da corrida acharam que só lhes faltava uma modalidade para completar a tríade (e faltava) e decidiram inscrever-se num triatlo half Ironman, ou seja, 1,9 km de natação, 90 km de bicicleta e 21 de corrida (uma meia-maratona). E não, não é para fazer cada coisa no seu dia, mas sim tudo de seguida. É possível, mas eu acho meio doido.
Como houve uma desistência, as três meninas que ficaram de fora, entre as quais me incluo, decidiram participar também, mas na modalidade de estafetas. Como não corro e não tenho qualquer interesse em andar de bicicleta (teria inclusivamente de comprar um velocípede adequado para o triatlo), foi-me naturalmente atribuído o segmento da natação.
O triatlo tem regras muito específicas e uma delas é a existência de tempos limite para a natação e a bicicleta. Portanto, eu tinha de completar a minha prova em 60 minutos. Dado o estado do mar naquele dia, vi o caso mal parado. Mas na minha mente, tinha as coisas muito claras: havia duas pessoas que dependiam de mim para fazerem a sua prova. Todas nós tínhamos pagado para a poder fazer, e não fora pouco (fica a nota de que estas coisas são estupidamente caras!). Portanto, assim que entrei na água e percebi que entre mim e uma placa de esferovite a balançar nas vagas em dia de tempestade pouca diferença havia, compenetrei-me na respiração. Não valia a pena dar muito aos braços, só me iria cansar; o que tinha era de garantir que respirava de forma consistente. Além do estado do mar, ainda tive de me afastar dos semirrígidos e das canoas que se me atravessavam à frente para resgatar os muitos desistentes. No triatlo, é comum que a natação seja o calcanhar de Aquiles dos atletas e, com as condições agrestes, houve muita gente a desistir.
Eu lá continuei, sempre focada na respiração, e consegui terminar a prova ao fim de 47 minutos. A minha colega da bicicleta é que não conseguiu cumprir o último cut-off, o que foi uma grande tristeza para ela, pois é frustrante não conseguir quando se dá tudo o que se tem com vento e chuva, mas acabou por ser um bom dia de convívio e camaradagem.
Uma semana depois, fui fazer exatamente a mesma distância na Setúbal Open Water Race, na praia do Creiro. Ia confiançuda. O mar estava lisinho, o sol brilhava, e tinha a certeza de que, se no triatlo tinha feito 1900 m em 47 minutos, ali haveria de conseguir fazer em menos de 45 minutos. Só que o mar é imprevisível, e a corrente mudou de um minuto para o outro. Ainda na prova anterior à nossa, nos tinham dito que a corrente estava de feição, mas quando chegou a nossa hora, deixou de estar. Aquela sensação angustiante de não sair do mesmo sítio. Percebi logo que não iria fazer abaixo dos 45 minutos e que, se tentasse, só me iria cansar. Era respirar e gerir o esforço. E assim foi, sempre a dar-lhe, durante uma hora, já o ombro a acusar cansaço. Ainda bufei de irritação quando cheguei a terra e olhei para o relógio, mas cedo percebi que, do nosso grupo de três, fui a primeira a chegar - o que me alegrou muito, porque costumo ser a última e, bom, quem é que gosta de ser sempre o último? Não só cheguei primeiro, como cheguei 5 minutos antes, confirmando que alguma coisa devo estar a fazer bem.
Sinto que andei um ano a preparar-me para estes dois momentos: um ano a aprender a gerir o esforço e as emoções, um ano a controlar o medo do fundo do mar, um ano a perceber que não importa tanto o tempo que faço ou aquilo que não consegui fazer como gostaria, mas sim tudo aquilo que já faço e que jamais pensei conseguir.
E coisas que nem há dois anos eram impensáveis para mim: já nado no mar com relativa tranquilidade, o fundo do mar faz-me cada vez menos impressão e posso dizer que tenho bastante resistência mental. Além disso, o medo da água fria também é coisa que não me ocupa espaço na mente (ajuda já ter um fato bastante bom). Descobri um desporto de que gosto muito, que consigo executar apesar da minha limitação física e que, surpresa!, me realiza fora do trabalho.
Com isto, chegámos ao ponto que muito me tem inquietado nos últimos meses: o meu trabalho e o meu extrato bancário.
Teaser para a próxima newsletter. Se não souberes alemão, explico-te tudo depois. O ano passado confrontei-me, pela primeira vez, com a eventualidade de não continuar a traduzir para o resto da vida, de não poder continuar a fazer disto o meu único meio de subsistência até ao fim dos meus dias, como era minha convicção. Perdi trabalho e tive um burnout que me levou a uma enorme crise identitária e a discutir intensamente o seguinte com o meu psicólogo: quem serei eu, se não for tradutora? Que sei eu fazer se não for traduzir?
Até agora, era um poço fundo, escuro, húmido, bafiento e… sem água. Não me via a fazer mais nada, logo, não havia esperança para mim na vida para além da tradução. Até que... Começou a haver. Aos poucos, comecei a acalentar a ideia de fazer outras coisas. O verbo também mudou: em vez de "poderia", passou a "quereria". Tudo o que quereria fazer.
E o que é que eu quero fazer? O que posso aprender a fazer? O que posso vir a descobrir que gosto de fazer?
Foi então que percebi que as minhas competências assentam em crenças que fui enraizando ao longo dos anos a trabalhar sozinha: que sou introvertida, logo, não tenho jeito para comunicar com pessoas; que sou melhor com a palavra escrita, logo, é-me impossível articular-me bem na oralidade; que gosto de estar em silêncio, logo, a comunicação com o público não me serve. A verdade é que… não sei se isto é verdade, porque há muito tempo que não me dou uma oportunidade de o confirmar na prática. Mas este ano decidi que vou experimentar várias coisas.
Já comecei.
Em março, dei a minha primeira formação como formadora certificada. Ainda estou verdinha, mas não considero que me tenha corrido mal. Em maio e junho, tenho outra formação já confirmada, um seminário de tradução literária de 12 horas no âmbito de pós-graduação da UAL. Vou substituir uma docente e quero muito que corra bem, talvez me convidem para outras edições.
Com a chegada da Feira do Livro, lembrei-me ainda de que podia ser a altura ideal para testar a minha teoria e concretizar um desejo antigo: ser livreira por um dia. Em menor escala, claro, e com um catálogo limitado, decidi servir-me dos meus contactos e telefonei para a editora de uns amigos, para quem já traduzi, a perguntar se precisavam de gente para a sua banca.
Talvez se concretize. Não é pelo dinheiro. Por muito mal que se ganhe na tradução, ainda se ganha melhor do que a vender livros na Feira, mas preciso urgentemente de arejar e de provar a mim mesma que sei fazer coisas completamente diferentes das que tenho vindo a fazer nos últimos 17 anos (e que, dado o meu nível de cansaço intelectual, não me exijam grande esforço mental).
Vou também fazer um trabalho de pesquisa para uma editora. Está relacionado com livros, mas não é traduzir. A oportunidade surgiu, e eu agarrei-a. Para quem ainda nem há seis meses não se via a fazer mais nada, estou a dar-lhe bem na diversidade. Não só preciso de outras fontes de rendimento, como preciso de perceber o que é que eu, afinal, sei fazer. Mas aprofundarei este tema a seu tempo.
No próximo mês, tenho outra prova de natação, um livro para traduzir, vou receber um gatinho novo (está cada vez mais matulão e começa a mudar a cor do pelo) e vou fazer 45 anos. Estou mais ou menos a meio do caminho, isto, se a vida me correr bem. É curioso que comece também a sentir que, em vez de as coisas estarem encaminhadas, com todas as peças certas já encaixadas como se esperaria de uma pessoa séria e madura com 45 anos, talvez tenha de dar uma volta de 180 graus à minha vida. Estarei na crise de meia-idade, para me pôr agora com ideias de mudar de rumo? Ou terei finalmente atingido aquela idade que me permite ter a maturidade suficiente para dizer, sem medos: não sei que puto fazer da minha vida?
Eu acho que tenho o problema inverso: nunca tive uma profissão ou nunca fui xxx, não sei se me faço entender. E sinto-me presa numa gaiola de ouro: não sei o que quero fazer da vida mas não posso simplesmente deixar este trabalho. Idealmente, gostava de um trabalho relacionado com o ensino e com a gestão, estou a trabalhar para, pelo menos, ter essa oportunidade. 45 é uma óptima idade para se ter dúvidas e mudar 😉
Mais uma em crise identitária profissional deste lado!
Também ando a explorar opções e o que escreveste sobre isso foi reconfortante!
Adoraria ler uma newsletter só sobre esse tema!